Diante do recuo no crescimento do mercado de capital de risco em relação ao ano passado, especialistas afirmam que os investimentos em startups realizados a partir de agora serão mais cautelosos e coerentes.
O momento atual se diferencia do imediatamente anterior, que foi marcado por uma abundância de recursos que garantiu recorde de aportes no Brasil. O total alcançou R$ 9,4 bilhões em 2021, segundo dados do Distrito.
Essa mudança levou muitas startups a pararem e repensarem seu planejamento. Como continuar atraindo investimentos neste cenário de incerteza e altas taxas de inflação e de juros? Entre outras preocupações, essa pode ser considerada uma das principais, visto que o capital é indispensável para o rápido crescimento das startups.
Conversamos com a Silvia Motta, Managing Director Portfolio and Investments na Movile, empresa que nasceu como uma startup há 8 anos e hoje atua como investidora de longo prazo em empresas de tecnologia da América Latina. Em seu portfólio, figuram grandes startups da região, como ifood e Sympla.
Além de compartilhar sua visão sobre a questão acima, a executiva revelou as 3 principais tendências para investimentos em startups atualmente e dividiu importantes aprendizados de quando esteve do outro lado da mesa – como empreendedora.
Leia a entrevista completa para conferir:
O atual cenário dos investimentos em startups
Como captar em um contexto de incertezas
3 tendências para ficar de olho e conquistar investidores
De empreendedora a investidora: principais aprendizados
O sonho grande… de incluir mais mulheres
Oportunidade de investimentos em startups de mulheres
O atual cenário dos investimentos em startups
Dados da LAVCA indicam um total de R$ 5,4 bilhões em investimentos em startups na América Latina neste primeiro semestre de 2022, total 19% menor que o registrado no mesmo período do ano passado.
O fluxo de deals foi influenciado por uma série de acontecimentos que impactaram a economia, desde a pandemia, passando pela guerra na Ucrânia, até a inflação no país e a proximidade das eleições.
Como em toda situação de incertezas, o reflexo é buscar alguma segurança, por isso, os investidores em geral estão mais avessos ao risco.
É importante frisar que, apesar do recuo em relação a 2021, os valores investidos somente neste primeiro semestre já superam os anos de 2019 e 2020 completos.
A principal mudança, como vêm indicando especialistas, é no perfil dos acordos realizados. O mesmo estudo da LAVCA, por exemplo, mostrou que o capital investido neste ano foi principalmente para startups early stage, enquanto 2021 foi marcado por grandes aportes concentrados em menos startups, promovendo inclusive o surgimento de vários novos unicórnios.
Analisamos esses e outros números levantados pela Associação neste artigo.
Como captar em um contexto de incertezas
Silvia observa que, com isso, o mercado de Venture Capital tem tornado seus processos de análise para investimentos em startups mais cuidadosos. “Aqui na Movile, sempre tivemos uma forma diferente de investir – focamos em fazer poucos investimentos por ano e, como temos uma atuação bem próxima de nossas investidas, nosso processo de análise sempre foi bastante diligente”, afirma.
A executiva conta que esse processo mais longo pode custar investimentos, já que o timing de algumas oportunidades pode passar. “No entanto, agora estamos vendo o mesmo nível de diligência em todos os investidores”, avalia.
Nesse sentido, a investidora aponta características fundamentais para conseguir levantar capital diante desse cenário:
– Alta eficiência
– Queima de caixa sob controle
– Uma solução/plataforma muito bem posicionada
Para ela, toda empresa que busca investimento na atualidade precisa comprovar que tem uma operação muito eficiente, que não vai queimar dinheiro além do necessário e que tem o melhor produto do seu segmento.
“A barra para novos investimentos subiu muito diante desse novo cenário. No passado, com a abundância de recursos, vimos muitas empresas excessivamente focadas em crescimento de receita sem se preocuparem se essa receita era sustentável ou se estava gerando valor/rentabilidade. Isso ficou para trás”.
– Silvia Motta, Managing Director Portfolio and Investments na Movile
3 tendências para ficar de olho e conquistar investidores
Na visão de Silvia, há também importantes tendências do mercado de tecnologia precisam estar no radar das startups que desejam captar investimentos hoje:
Eficiência: tanto no âmbito da operação da empresa, quanto para talentos e uso de capital, de acordo com a executiva, a ordem da vez é ser o mais eficiente possível.
“Estamos levando isso para nossas empresas investidas, mas também para a operação da própria Movile, e buscando startups que ajudem nessa jornada para aumento de produtividade em todos os níveis”, conta.
Dados: “vemos muitas empresas que geram dados, mas que depois não conseguem usar essa base na tomada de decisão ou para a geração / melhoria de algum produto”, avalia Silvia.
Para ela, as empresas que têm os dados como uma habilidade central conseguem ter uma vantagem competitiva diante das demais, principalmente se conseguirem navegar bem no contexto atual, onde privacidade é uma grande preocupação da sociedade.
ESG: por último, ela cita boas práticas de ESG, um tema que abordamos bastante aqui na WE Impact.
A avaliação da diretora de um dos maiores players de investimentos em startups no mercado brasileiro e na América Latina é de que, no mundo atual, uma startup que nasça sem esses conceitos enraizados na sua cultura não terá espaço.
“Na Movile, valorizamos muito a diversidade na nossa operação e buscando influenciar e apoiar nossas investidas de forma a incutir esses valores e práticas nas nossas startups e nas que buscamos como futuros investimentos”, afirma.
Para auxiliar startups que desejam se inserir ou aperfeiçoar nesta jornada, a WE Impact lançou o e-book “S de ESG: governança social para startups”, em parceria com a KPMG.
Explicamos os três pilares da sigla, adaptamos a metodologia da KPMG para a realidade das empresas do ecossistema, construindo um passo a passo simples para implementá-los.
De empreendedora a investidora: principais aprendizados
Em sua trajetória profissional, Silvia já atuou em diversas frentes do desenvolvimento de negócios, seja como consultora, empreendedora ou, agora, como investidora.
“Sempre trabalhei em áreas de estratégia, finanças e gestão, nas quais eu não estava na linha de frente, fazendo efetivamente a venda. Minha grande questão na vida de empreendedora foi desenvolver o meu lado comercial”, destaca.
A executiva avalia essa parte como a mais desafiadora: vender a sua empresa, o seu produto, para o time que você vai recrutar.
Mas o seu maior aprendizado, e que aplica hoje na relação com investidas, foi entender a dificuldade que existe em tirar uma ideia do papel.
“Como consultora, desenhávamos um plano, um cronograma e, quando as empresas não conseguiam executar, eu não entendia o que havia acontecido, afinal, o plano era tão bom! Certo? Errado! 10% é o pensamento, 90% são o suor, a execução. Hoje, vejo que ter passado por isso me ajuda muito a me identificar com fundadoras e fundadores e me conectar com seus desafios.”
– Silvia Motta, Managing Director Portfolio and Investments na Movile
Segundo ela, a empatia que desenvolveu passando pela experiência de empreender e lhe permite entender as frustrações de empreendedoras e empreendedores, seus times, e ajudá-los a simplificar e priorizar. “Isso é grande parte do meu trabalho como conselheira das diversas empresas em que atuo nessa cadeira”, afirma.
Para quem está no início dessa jornada, sua principal dica é: se cercar de gente boa, que seja melhor do que você, e não ter vergonha de pedir ajuda.
O sonho grande… de incluir mais mulheres
Como diretora de Investimentos na Movile – empresa com grande influência no mercado de tecnologia brasileiro e da América Latina e que tem o objetivo de se tornar a maior ‘thesis maker’ da região -, Silvia ocupa um cargo que, assim como o ecossistema de startups em geral, ainda tem baixa representatividade feminina.
“Como mulher, empreendedora e investidora, um dos meus sonhos é conseguir aumentar (bastante) o portfólio de empresas investidas pela Movile que tenham mulheres entre suas fundadoras.”
– Silvia Motta, Managing Director Portfolio and Investments na Movile
Ela conta que a empresa tem consciência do seu papel social e, com a missão de acelerar empresas de tecnologia e pessoas, não pode se furtar de trabalhar para ampliar o acesso do empreendedorismo feminino ao capital.
Entre as ações nesse sentido, a executiva afirma que toda a equipe tem se aproximado de diversas associações, coletivos e instituições, como a própria WE Impact, para se conectar a cada vez mais empreendedoras brasileiras e latino americanas, “ouvindo suas ideias, apoiando e acelerando-as, mesmo antes de possivelmente virmos a fazer um investimento pela Movile”.
Oportunidade de investimentos em startups de mulheres
Mulheres enfrentam diversas barreiras na hora de captar recursos para seus negócios e estão à frente de menos de 10% das empresas do ecossistema.
Aqui na WE Impact, além de realizar investimentos com lente de gênero (aportamos capital apenas em startups fundadas e/ou lideradas por mulheres), defendemos uma representatividade feminina cada vez maior entre investidores, como é o caso da nossa entrevistada.
Essa é uma maneira super efetiva de combater os vieses inconscientes que influenciam as decisões de investimentos, que são, em sua maioria, tomadas por homens.
O resultado é um fluxo de capital destinado a startups com fundadoras/líderes mulheres que vem crescendo, mas ainda representa só um terço do total movimentado pelo Venture Capital na América Latina (dados de 2022, da LAVCA).
Se você tem interesse em fazer parte do portfólio WE Impact, cadastre-se aqui. Entre outros fatores, nossa tese de investimento é focada em negócios early stage, B2B, com base tecnológica e que tenham sinergia com as corporações que fazem parte da WE Impact Network.