Quando falamos sobre inclusão e equidade de gênero nas corporações e no empreendedorismo, não podemos ignorar os desafios e desigualdades enfrentados na relação maternidade e carreira.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade não estão mais presentes no mercado de trabalho. Além disso, dentre 247 mil mães, 50% foram demitidas, aproximadamente, dois anos após o período.
Questões como essas fazem parte também da realidade daquelas mulheres que já são ou pretendem se tornar mães e buscam uma vaga de emprego. Um levantamento da plataforma Vagas.com mostra que, durante algumas etapas de processos seletivos, as mulheres recebem perguntas que reforçam a diferença de tratamento e preconceitos. Alguns exemplos são: “Você é ou pretende ser mãe?” e “quem cuidará do seu filho se ele ficar doente?”.
Já o College Voor de Ritchen van de Mens constatou que uma em cada cinco mulheres foi rejeitada em candidaturas devido à maternidade ou ao desejo de ter filhos.
Quando as dores se transformam em solução
Renata Lino, CEO da Mommy Tech, foi uma das mulheres excluídas pelo mercado ao tentar conciliar maternidade e carreira. Mãe de dois filhos, ela foi desligada da empresa em que atuava durante a primeira licença-maternidade e rebaixada de cargo na segunda.
Sua startup, que qualifica, retém e acolhe mães para o mercado de trabalho, nasceu em meio a essas experiências negativas da fundadora. Ela já realizava apoio a algumas mulheres próximas, mas a ideia de desenvolver a solução surgiu após perder seu cargo de liderança por conta da gravidez.
Eu estava chorando muito, com o bebê no meu colo, depois da reunião em que fui informada de que não poderia mais liderar e nem utilizar as novas habilidades de gestão que desenvolvi. Vendo minha dor, meu marido me deu a ideia de transformar essa experiência em uma startup. Isso me ajudou a sair do fundo do poço emocional e transformar isso em uma alavanca para ajudar outras mães.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
Ela conversou com a gente sobre habilidades desenvolvidas pelas mães que podem impulsionar seu desempenho no trabalho, outros desafios em conciliar a maternidade e carreira e soluções para superá-los. Confira:
Como a maternidade pode gerar profissionais melhores
Principais desafios enfrentados pelas mães e como resolvê-los
Como diminuir o estereótipo de oposição entre maternidade e carreira
Conselhos para quem é ou deseja se tornar mãe
Como acolher as mães na prática
Como a maternidade pode gerar profissionais melhores
Alguns vieses e estereótipos reforçam a ideia de que não é possível existir uma boa relação entre maternidade e carreira. Por isso, muitas mães acabam sendo excluídas ou abandonadas pelo mercado de trabalho. O que boa parte das empresas ignoram é que as habilidades desenvolvidas por elas podem contribuir para o surgimento de profissionais ainda melhores. E foi exatamente isso que Renata percebeu realizando estudos junto a seu time e profissionais de saúde.
Ela explica que isso acontece devido a duas situações: alterações biológicas, em que o corpo se desenvolve para se readaptar a uma nova realidade, e mudanças que acontecem por necessidade.
As questões biológicas estão ligadas ao “benefício da espécie”: “o bebê depende da atenção da mãe ou de algum outro cuidador primário para sobreviver. Por conta disso, o corpo humano ativa alguns desenvolvimentos sinápticos no cérebro, principalmente no hipotálamo e no pré-frontal e, a partir daí, características como empatia, foco e concentração são potencializadas”, afirma.
Essa teoria está ligada à “neuroplasticidade do cérebro”, termo que se refere à capacidade do sistema nervoso de reorganizar sua estrutura, suas funções ou conexões em resposta a estímulos internos ou externos.
Quando uma pessoa se torna cuidadora primária de um bebê, ela passa por esse processo, tornando-se mais propensa ao aprendizado, à readaptação e ao desenvolvimento de novas habilidades.
Um estudo realizado em 2019 pela revista Nature comprovou a existência de neurônios com margem e saúde para serem desenvolvidos até a nona década de vida, o que reafirma a existência dessa capacidade do corpo humano que vem chamando a atenção da comunidade científica.
Os filhos sempre fazem comentários sobre a capacidade de visão ou audição de mães. “Minha mãe tem ouvido super biônico, escuta o que estou fazendo até em outra sala”, ou “Como é que minha mãe viu isso? Ela tem o olho de raio X?”. Essas são potencializações reais do corpo humano para que ela consiga fazer aquele bebê sobreviver.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
Já as mudanças por necessidade são consequências de uma sociedade que não apoia e nem acolhe as mães. “Muitas mulheres não têm rede de apoio e acabam sendo obrigadas a ter uma gestão de tempo impecável, organizar melhor a sua agenda e saber coordenar as suas funções com foco e concentração para nenhum pratinho cair”, lista a empreendedora.
Não deveria ser assim. Realidades como essas acabam gerando burnout parental, exaustão emocional em relação ao cuidado com o filho e outras questões. Mas, tentando ver um lado bom dentro disso tudo, ela acaba aprendendo a ser multitarefa, a trabalhar de maneira mais organizada, com gestão e execução de tarefas como ninguém.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
Principais desafios enfrentados pelas mães e como resolvê-los
A CEO da Mommy Tech relata que os principais obstáculos enfrentados pelas mulheres que buscam conciliar maternidade e carreira é a falta de flexibilidade. Para ela, essa questão poderia ser resolvida com o aumento do número de vagas remotas ou priorização do regime home office, por exemplo.
Renata acompanha muitas mães que aceitam negociar salários e níveis em troca de trabalhar de casa ou ter uma maior flexibilização de horário. Mesmo assim, existem empresas resistentes – ainda que se trate de algo temporário. “A longo prazo, a criança vai crescer, se tornar independente, e ela vai poder voltar para a jornada de trabalho presencial”, destaca.
A maioria das mães que acompanho hoje passam a ter maior flexibilidade após os cinco anos do filho. Esse período é muito pequeno para uma empresa, mas faz muita diferença na vida de uma profissional que desenvolveu skills de forma impecável.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
A importância da diversidade
Uma questão muito levantada pelos tomadores de decisões é que um número grande de colaboradoras com flexibilização de local e horário, ao mesmo tempo, pode atrapalhar o andamento da corporação. A CEO explica que a solução para isso é investir na diversidade.
“Não tem que ter uma vaga apenas para mães, mas também para negros, PCDs, representantes de povos indígenas, pessoas com mais de 60 anos, por exemplo. Se tiver uma avó no mesmo time de uma mãe, essa avó provavelmente vai fazer de tudo para ajudá-la, porque ela já passou por isso”, explica.
E esse é apenas um exemplo de como esse valor pode trazer inúmeros benefícios não só para mulheres que conciliam maternidade e carreira, mas para todo o time e empresa.
Temos que apostar em equipes diversas para receber times mais unidos e coesos. Além disso, empresas com maior diversidade têm melhores resultados.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
Como diminuir o estereótipo de oposição entre maternidade e carreira
A Mommy Tech é uma bela ferramenta para contribuir para a inclusão e impulsionamento das mães no mercado de trabalho. A startup surgiu com o intuito de capacitar e preparar essas mulheres para atuar em tecnologia. Porém, a fundadora percebeu uma questão que precisava ser trabalhada antes disso: existe um momento em que ela precisa alimentar o filho dela, então antes de iniciar a captação atuamos no momento zero que é apoiar a mulher na procura de vaga em outros setores ou ingressar no micro empreendedorismo.
A empreendedora explica que, a partir do momento que essa mãe é acolhida e passa a gerar uma renda, é feito um planejamento de médio e longo prazo para que ela possa se capacitar e passar a atuar em tecnologia, um setor com alta empregabilidade e melhor remuneração.
Além de iniciativas como a Mommy Tech, ela cita a importância de outros pontos que ajudam a contribuir com a redução das desigualdades e do estereótipo de oposição entre maternidade e carreira:
– Estender o período da licença-paternidade: essa é uma questão que contribui para a construção de um cenário de maior igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Além de proporcionar uma oportunidade para que os pais sejam mais ativos durante os primeiros meses de vida do bebê, estabelecer um período semelhante de licença para homens e mulheres pode reduzir o estereótipo de que as funções de cuidado devem ser atribuídas somente às mãesa e as atividades profissionais, ao masculino.
– Entender que a gestão e maternidade podem gerar habilidades importantes para o trabalho: como já citamos, as mães desenvolvem soft skills que são supervalorizadas numa entrevista. “O que os recrutadores mais querem é uma pessoa empática, focada, organizada e multitarefas ” afirma Renata.
– Ter consciência de que as mães de hoje estão gerando filhos que irão garantir as aposentadorias no futuro: daqui a 20 ou 30 anos, esses bebês vão ser os jovens no mercado de trabalho, contribuindo para a aposentadoria dos profissionais e lideranças atuais.
– Se preocupar também com o outro lado: “todo mundo está acostumado a cuidar do bebê, mas quem cuida da mãe? É raro alguém pensar em cuidar um pouquinho dela”, comenta.
Conselhos para quem é ou deseja se tornar mãe
A CEO da Mommy Tech encoraja mulheres não deixarem o medo negar o seu direito de conquistar seus objetivos:
Não deixem de sonhar como mães e nem como profissionais. Nós podemos ser multisonhadoras, eu sou um exemplo disso: sou mãe, empreendedora, esposa, tranquei minha segunda faculdade, mas recentemente finalizei outra graduação. Nós podemos realizar, a única questão é que talvez precisemos de mais tempo para isso.
Renata Lino, CEO da Mommy Tech
Para aquelas que já passaram por uma gestação e querem retornar ao trabalho e impulsionar a vida profissional, a dica é não deixar de sonhar e abrir a visão para as possibilidades do mercado. Renata ressalta que tecnologia não é apenas sobre programação: envolve também marketing digital, projetos, software tester, entre muitas outras.
Segundo a empreendedora, é importante se permitir conhecer outros mundos e viver a possibilidade de encontrar um novo sonho, dentro de um setor que tem maior empregabilidade e que está mais disposto a te contratar.
Já para quem quer trilhar na jornada empreendedora, ela indica que passem a se desenvolver, procurem por incubadoras focadas em mulheres e instituições que investem em startups de mulheres, como a WE Impact.
Outra atitude importante é não se sentir ameaçada por fundadores e fundadoras de empresas do mesmo setor que provavelmente não enfrentam os mesmos desafios. “Você tem outras capacidades e uma visão de mundo diferente, então você pode trazer algo inovador e se destacar em meio ao mercado”, ressalta.
Como acolher as mãe na prática
Se você quer contribuir para a inclusão das mães no mercado de trabalho, indicamos a cartilha Princípios de Empoderamento das Mulheres para Startups, produzida pela WE Impact em parceria com a ONU Mulheres e Gema Consultoria.
O material apresenta posicionamentos, ações e mecanismos concretos que as empresas podem adotar para promover valores como diversidade, liderança e empoderamento feminino em todas as suas fases de desenvolvimento.
O conteúdo tem como base os Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU, também conhecidos como WEPs – Women’s Empowerment Principles. Clique aqui para baixar!