Quanto maior o cargo, menor a presença de pessoas negras. Esse é o padrão da maioria das empresas, o que nos faz pensar urgentemente em iniciativas voltadas para promover a diversidade racial e considerar a a interseccionalidade no mercado de trabalho.
A afirmação surge com base na análise da pesquisa do Instituto Ethos, feita com as 500 principais organizações do país em 2016, ao observar que: em cargos de alta liderança, como gerência e quadros executivos, a participação de pessoas negras é de 6,3% (sendo 0,6% pretos; 5,7% pardos) e 4,7% (sendo 0,5% pretos; 4,2% pardos), respectivamente. Em contrapartida, as funções com menores poderes de decisão, como aprendizes, com 57,5%, e trainee, com 58,2%, representam a maior parte da participação de pessoas pretas e pardas nas corporações.
O ecossistema de startups, tecnologia e inovação repete esse cenário: segundo o IBGE, mulheres são apenas 20% dos quase 600 mil profissionais atuantes no mercado de tecnologia. A desigualdade no setor se mostra ainda maior quando fazemos um recorte de cor: 59% das pessoas negras que se profissionalizaram na área não atuam no setor.
Uma realidade que faz com que mulheres, pessoas negras e periféricas enfrentem barreiras no mercado de trabalho e sejam pouco contempladas pelas soluções desenvolvidas nesses ambientes.
Para refletir sobre a importância da diversidade e da interseccionalidade nesses ambientes, entrevistamos a presidente da Associação AfroBusiness e CCO da Conta Black, Fernanda Ribeiro.
Nesse artigo, vamos falar sobre:
Os cases Conta Black e AfroBusiness
A importância da interseccionalidade e da diversidade no ambiente corporativo
Dicas para quem quer empreender
Construindo um ecossistema mais igualitário
Os cases Conta Black e AfroBusiness
Fernanda Ribeiro afirma que, além da desbancarização, a falta de acesso ao crédito e de escalabilidade estão entre os principais desafios dos negócios liderados por mulheres negras. Para ela, essas três questões estão interligadas:
“Tudo é um efeito dominó que surge do primeiro desafio: o baixo acesso a crédito. É bem difícil manter uma empresa sem uma receita recorrente. E quando elas vão em busca de crédito, encontram portas fechadas, o que muitas vezes inviabiliza o crescimento, a escalabilidade, a contratação de time e tudo mais”, explica.
Como afroempreendedora, ela identificou a necessidade de gerar bancarização e acesso a crédito para pessoas pretas e periféricas. Assim, em 2017, nasceu a Conta Black, uma conta digital com o objetivo de atender a essas demandas. A startup vem ganhando escala em meio às fintechs brasileiras e já conta com mais de 23 mil clientes em sua base.
Com o tempo, a conta se transformou em um serviço customizável e pensado para atender às especificidades de cada usuário.
Quando lançamos o MVP da Conta Black, contávamos com um portfólio de produtos e serviços bancários comuns. Quando a nossa base foi crescendo, passamos a entender que o nosso público tinha necessidades específicas, então a transformamos em um hub de produtos e serviços financeiros alocados em uma Conta Digital.
– Fernanda Ribeiro, presidente da Associação AfroBusiness e CCO da Conta Black
Desde o início de sua jornada, Fernanda já havia percebido a importância da interseccionalidade nos negócios, na tecnologia e na inovação.
A partir dessa visão, ela fundou, junto com dois amigos, a AfroBusiness: instituição sem fins lucrativos com o propósito de promover e integrar empreendedores, intraempreendedores e profissionais liberais, fortalecendo a população negra. Criada em 2015, a iniciativa atua por meio de eventos, educação, networking e parceria com organizações para gerar oportunidades de negócios, trabalho e renda.
E foi observando a trajetória de seus sócios que surgiu a ideia do projeto: “o Márcio é profissional liberal e o Sérgio sempre empreendeu na área de publicidade. A partir do momento em que a interação entre os dois começou a gerar novos negócios, nasceu a ideia de escalar isso, trazer outras pessoas para a rede e fomentar a conexão entre afroempreendedores”, diz Fernanda.
A fundadora complementa que, em um segundo momento, eles começam a capacitar esses profissionais para a cadeia de fornecimento de grandes empresas.
Outro ponto interessante do projeto é a troca de experiências: formada em turismo e pós-graduada em comunicação corporativa, ela já atuou em multinacionais nas áreas de qualidade, e-commerce, experiência do cliente e comunicação interna, e hoje pode compartilhar seu conhecimento com os integrantes da associação.
O trabalho da empreendedora vem gerando grandes reconhecimentos: ela já venceu os Prêmios “Empregueafro Talento da Diversidade”, “CITI Jovens Empreendedores” na categoria Organização Social Mais Transformadora e foi listada como uma das 50 profissionais Hustlers a serem seguidos segundo a Gama Academy.
Além disso, chegou a ocupar as cadeiras de Líder de diversidade da Associação Brasileira de Fintechs e de Embaixadora Rede Ibero Americana de Mulheres em Fintech.
A importância da interseccionalidade e da diversidade no ambiente corporativo
Interseccionalidade é o conceito de levar em consideração as formas como diferentes marcadores sociais interagem entre si. Quando olhamos para o gênero, por exemplo, devemos pensar também em como as diferenças presentes na população feminina, como raça, classe, deficiência e orientação sexual, influenciam na vida de cada mulher.
A CCO acredita que políticas afirmativas, tanto com olhar étnico quanto olhar de raça nas corporações, é extremamente importante para criação de produtos e serviços que atendam às necessidades de toda a sociedade. “O mercado era composto, em sua maioria, por homens – e homens brancos -, que criavam soluções que atendiam apenas às necessidades deles.”
Ela cita os aplicativos de transporte, pensados apenas para uma população específica: muitos não chegam à periferia, e deixam de atender aqueles que estão à margem dos grandes centros. Ambientes com um olhar para a diversidade e para a interseccionalidade conseguem transformar esses gaps em negócios.
“Dessa realidade, surgem negócios que pensam no impacto social e em nichos não atendidos. Um exemplo disso é o Jaubra, aplicativo que nasce para oferecer mobilidade e transporte para quem está na periferia e que, antes, ficava por horas e horas esperando um motorista de aplicativo!”
– Fernanda Ribeiro, presidente da Associação AfroBusiness e CCO da Conta Black
Dicas para quem quer empreender
Para mulheres que desejam trilhar a jornada empreendedora, além de ressaltar a importância da diversidade e da interseccionalidade, Fernanda deixas três dicas valiosas:
1. Aprenda a descentralizar e se desapegar de funções: veja o que é possível fazer dentro do tempo que você tem, pense em como otimizar o seu trabalho e concentrar o seu foco no que realmente precisa ser feito.
Nós, mulheres, temos no nosso DNA o maternar, então maternamos os negócios. Eu converso com muitas fundadoras do ecossistema de startups e com as empreendedoras apoiadas pela AfroBusiness. Assim como eu lá na Conta Black, algo muito recorrente entre elas é essa falta de descentralização.
– Fernanda Ribeiro, presidente da Associação AfroBusiness e CCO da Conta Black
2. Seja capaz de furar a bolha: não é porque dizem que esse lugar não é para você, que você vai acreditar nisso.
Então ocupe os espaços, inclusive os espaços que não são ditos para ti, porque isso é uma ferramenta importante para hackear o sistema.
3. Se aproprie dos números dos seus do seu negócio: vivemos em um contexto que afasta as mulheres da das áreas exatas e, quando elas vão empreender, acabam terceirizando o financeiro, assim como tudo o que é interligado aos números. “É fundamental que as empreendedoras se apropriem dos seus números e tenham eles na ponta língua.” afirma.
Construindo um ecossistema mais igualitário
Fernanda Ribeiro foi uma das convidadas para nossa programação especial do mês das mulheres. Ela e a nossa CEO, Lícia Souza, participaram do painel “Inovação, Diversidade e Interseccionalidade na tecnologia” promovido pela WE Impact e pelo Microsoft Reactor.
As duas bateram um papo sobre a diversidade como driver da inovação, os efeitos dos vieses inconscientes na tecnologia e discutir formas de combater preconceitos para construir um ecossistema mais igualitário.
Quer conferir o evento? Clique aqui e confira a gravação.