Nos últimos tempos, a diversidade e a inclusão deixaram de ser questões secundárias para se tornarem pautas centrais nas organizações. Essa mudança surgiu com a pressão da sociedade e movimentos que promovem a equidade e os direitos de grupos minorizados. Mas estudos e cases de sucesso também mostram o peso desses dois valores para a construção de empresas mais criativas, inovadoras e lucrativas. Além disso, atualmente, relatórios e métricas sobre aspectos sociais – o S do ESG – estão se tornando cada vez mais importantes para a captação de investimentos.
Porém, ainda existem grandes desafios para a diversidade e a inclusão se tornarem valores consolidados no ambiente corporativo e na nossa sociedade. O baixo envolvimento das lideranças nesse assunto, a desvalorização de profissionais especializados nos temas, o momento econômico que vivemos, os preconceitos estruturais e os vieses inconscientes são alguns deles.
Conversamos com Isabela Del Monde, coordenadora do #MeTooBrasil, cofundadora da de FEMde – Rede Feminista de Juristas, colunista Universa UOL e uma das sócias fundadoras da Gema Consultoria em Equidade, para falar sobre esse tema.
Premiada este ano na categoria Justiça do Prêmio Geração Glamour como reconhecimento de sua trajetória em prol dos direitos femininos e da equidade, ela compartilha o propósito de trabalhar para que meninas e mulheres tenham uma vida livre de violências: “O patriarcado não nos trata mal apenas na mão de outras pessoas, mas faz com que nós mesmas nos tratemos mal. As mulheres se odeiam porque são ensinadas a se odiar! Isso é muito angustiante e aprisionante, por isso, quando falo do propósito de uma vida livre de violências, me refiro não só à violência praticada por terceiros, mas também à violência de nós contra nós mesmas.”
Nesse artigo, Isabela compartilha suas percepções e aprendizados adquiridos ao acompanhar outras empresas no processo de promoção da diversidade e inclusão:
Boas e más práticas no processo de promoção da diversidade
O que é e como surgiu a Gema Consultoria
Como funciona uma consultoria em Equidade
7 Princípios de Empoderamento das Mulheres
Boas e más práticas na busca pela diversidade
A diversidade pode impactar positivamente em inúmeros pontos de uma grande empresa ou startup. Alguns deles são: aumento da inovação, maior lucratividade, retenção de talentos, qualidade das tomadas de decisões, melhoria no atendimento de clientes, motivação do time e relevância da imagem externa da empresa.
Porém, a jornada até lá é longa e exige muito comprometimento, erros e acertos. Não existe uma fórmula mágica para conquistar uma equipe diversa, mas uma série de práticas podem ser promovidas e outras que devem ser evitadas durante o processo.
Confira alguns deles:
Boas práticas:
Estar verdadeiramente aberta(o) para os desafios: esse é um tema que vai mexer com aspectos coletivos, estruturais e também com aspectos individuais. Lidar com o diverso influencia nossos próprios preconceitos e vieses. Então é extremamente necessário se preparar para o novo, estar ciente do desconforto que a novidade poderá trazer, e não esquecer o conforto da construção e da transformação que virá em seguida.
Todo mundo, independentemente da sua cor, sua origem, sua classe social, tende a conviver com pessoas iguais a si mesmos. Estamos acostumados a lidar com pessoas parecidas, mas, quando falamos de diversidade, estamos falando justamente sobre lidar, criar vínculos e laços com pessoas que são diferentes de nós e, portanto, vão trazer novas divergências, novas concordâncias, novas afinidades e novos conflitos para a mesa.
Isabela Del Monde – Sócia fundadora da Gema Consultoria
Contar com o apoio de pessoas especialistas: o assunto exige conhecimento técnico, teórico e pesquisas baseadas em dados e evidências. Por isso, é preciso contar com e valorizar o trabalho de especialistas: “É comum acreditar que profissionais especializados em diversidade e inclusão devam trabalhar gratuitamente ou serem mal remunerados, por serem pessoas supostamente interessadas pela causa.
“Eu, particularmente, acredito que todo mundo deve estar interessado na redução das desigualdades e na construção de um mundo mais seguro e igual. Essa é uma pauta de todos”, reforça a fundadora da Gema Consultoria.
Conhecer o que já está sendo feito: pesquisar sobre o segmento em que atua e iniciativas com a qual sua empresa possa realizar vínculos também é importante. Existem várias redes que tratam da equidade, do enfrentamento à violência, respeito às mulheres e outras pessoas. Realize uma pesquisa, entre e contato com as que se encaixam na realidade da sua empresa e passe a investir tempo, capital e esforço para que o projeto seja levado adiante.
Envolvimento direto da liderança: é comum que iniciativas voltadas para a diversidade nas organizações fiquem a cargo do RH, comitês e grupos de afinidade; esse é um caminho, mas é necessário também o comprometimento dos tomadores de decisões.
Segundo Isabela, é muito difícil conquistar transformações estruturais nas organizações sem que as lideranças estejam engajadas, dando importância e relevância a esses projetos. Felizmente, isso é algo que vem se tornando cada vez mais realidade: “há cada vez mais lideranças se inspirando e sendo inspiradas pela temática, compreendendo que seus exemplos fazem a diferença e realmente transformam”.
O que evitar:
Tratar o assunto como um projeto com começo, meio e fim: enxergar a busca pela diversidade e inclusão como uma coisa de momento, e não como um projeto permanente, pode comprometer os resultados. Esses dois fatores devem receber atenção contínua. É preciso estar sempre analisando e registrando se você está alcançando seus objetivos.
Tokenismo: este termo se refere à má prática de realizar apenas um esforço superficial ou simbólico para incluir membros de grupos minorizados. Além de estar longe dos ideais de transformação, essa ação aumenta as chances de a pessoa utilizada como o “token” da empresa se tornar alvo de violências dentro do local de trabalho.
Limitar-se a adicionar pessoas na empresa: apenas contratar funcionários representantes de determinados grupos, mas não criar políticas, planos de permanência e ascensão dessas pessoas dentro da organização, não é suficiente.
Ao decidir aumentar em 10% o percentual de mulheres de uma empresa, muito além de recrutar, é preciso também planejar ações e estratégias que garantam que ali vai ser um ambiente seguro – para que elas não sejam alvo de machismo e misoginia, não sejam interrompidas em reuniões, possam se tornar mães sem medo de perder o emprego ou serem substituídas na carreira, entre outras questões.
Não adianta apenas incluir, a inclusão é um primeiro passo! Na Gema, acreditamos na diversidade em três pilares: inclusão, permanência e ascensão. Porque não dá para incluir pessoas negras e mulheres, por exemplo, só como estagiárias, como secretárias ou assistentes… Elas vão virar coordenadoras, supervisoras, gerentes, diretoras conselheiras? Qual é o seu projeto interno para garantir a permanência e a ascensão delas?
Isabela Del Monde – Sócia fundadora da Gema Consutoria
O que é e como surgiu a Gema Consultoria
Para contribuir com essa transformação, existem soluções específicas para diagnosticar, acompanhar e criar estratégias para a promoção de um ambiente mais diverso nas empresas e instituições. É o caso da Gema Consultoria em Equidade, fundada por quatro mulheres para promover o compliance e fazer com que a cultura das organizações passe a concordar em gênero, número e raça.
A Gema surge da união de quatro amigas advogadas que, ao compartilharem suas impressões e sensações sobre o que é ser mulher no mercado de trabalho e no nos negócios, decidem atuar em um projeto juntas.
Isabela já trabalhava com a temática de gênero, tratamento e prevenção de discriminações dentro de empresas e se juntou a outras três socias fundadoras: Adriana Vojvodic, especialista em compliance, Thayná Yaredy, referência do movimento negro no Brasil e com experiência na luta contra a violência institucional, e Manuela Camargo, que tem uma grande bagagem do ambiente corporativo e de governo.
Foi uma soma de mulheres, todas advogadas, que entendem muito de riscos, de leis e também trazem esse olhar. Embora nós não sejamos um escritório de advocacia, a nossa raiz jurídica nos acompanha, então conseguimos oferecer uma boa perspectiva de riscos para os nossos clientes aliada ao olhar de compliance.
Isabela Del Monde – Sócia fundadora da Gema Consutoria
Junto com suas experiências pessoais, os impactos da pandemia na vida da mulher, como o aumento da violência e a redução da presença feminina no mercado de trabalho, contribuíram para o foco na equidade e diversidade: “Realmente acreditamos que é possível mudar o mundo começando por dentro, e esse dentro é dentro das organizações, sejam elas empresas, ONGs, escolas, clubes, times esportivos… Enfim, não importa! Todos os lugares têm espaço para que esses debates e transformações aconteçam”, afirma Isabela.
Como funciona uma consultoria em Equidade
Além de pesquisas, produção de textos, eventos e materiais como a cartilha Princípios de Empoderamento das Mulheres para Startups, produzida em parceria com a WE Impact e a ONU Mulheres, elas atuam diretamente na realização de diagnósticos que mostram o retrato da organização.
Isso é feito a partir do levantamento de dados sobre as raças, gêneros, orientações sexuais, deficiências, religiões, origens demográficas, faixas etárias, entre outros aspectos, presentes na organização. A partir daí, passam a compreender seu grau de diversidade, a necessidade de olhar para esse aspecto, e definem como ele será trabalhado.
Outra parte importante ação da consultoria é analisar se os integrantes da organização conseguem identificar, compreender e relatar os tipos de discriminação como as raciais, de gênero, capacitistas, etárias etc. das quais foram vítimas ou testemunhas no local de trabalho.
A partir desse diagnóstico, estabelecem um plano para a temática dentro da empresa. Se é observado o padrão de uma etnia em detrimento de outros, por exemplo, elas apresentam estratégias que a empresa deve adotar nos próximos anos para atingir a paridade étnica. Junto com esse plano estratégico, são desenvolvidas também politicas institucionais de antidiscriminação e antiassédio, treinamentos, palestras, cursos e iniciativas educacionais que podem ser difundidas internamente.
A Gema pode atuar ainda na construção e na inteligência de um canal de escuta, realizando um trabalho de apuração, tratamento e encaminhamento de relatos sobre discriminações e episódios de assédio que acontecem dentro das organizações que atende.
Cartilha Princípios de Empoderamento das Mulheres
Juntamente com essas dicas você pode aderir também aos passos da cartilha Princípios de Empoderamento das Mulheres para Startups, produzida pela WE Impact em parceria com a ONU Mulheres e a Gema Consultoria em Equidade.
O material, disponibilizado gratuitamente, mostra como as empresas podem impulsionar valores como igualdade de gênero, diversidade, liderança e empoderamento feminino.
A cartilha apresenta posicionamentos, ações e mecanismos concretos que podem ser adotados para a implementação dos 7 Princípios de Empoderamento Feminino (WEPs), com orientações pensadas especialmente para o ambiente e os desafios das startups. Clique e confira.